Folha em branco

By Paloma Weyll - maio 11, 2009

Eu li em algum lugar algo sobre o fato do Ser Humano nascer como uma folha de papel em branco, novinha. Sem que ele perceba, aos poucos, seus pais e pessoas próximas começam a escrever nessa folha, transmitindo preconceitos, valores e crenças. Acho que foi em algum livro de Carl Jung. Prometo que assim que lembrar, coloco a referência aqui. Este autor também disse que esse é um dos motivos pelos quais alguns adolescentes são tão rebeldes. Eles desejam expressar seus próprios valores, tentam reescrever a sua própria folha e nem sempre são entendidos. Talvez porque suas idéias sejam diferentes. A maioria das pessoas têm dificuldades em aceitar o que não é comum; seja por ignorância, seja por medo.

Me lembro como hoje da minha festa de 15 anos. Achei um absurdo ter que colocar os convites em nome do homem da família. Caso este tenha passado para o “andar de cima”, colocávamos o nome do segundo na linha de sucessão. Me senti ultrajada, como se o nome das mulheres não tivesse o mesmo peso e valor que o dos homens. No auge da minha rebeldia juvenil (e garanto que isso realmente foi o auge) bati o pé firme e disse à minha mãe que isso era preconceito e eu me recusava em aceitar. Por isso, todos os meus convites foram enviados em nome de mulheres (Sra. Tereza & Família). Minha mãe aceitou (fácil demais, acho), mas lembro que minha avó e tias quase tiveram um colapso nervoso ao receberem os seus: “Isso é um absurdo!” “Você tem que dar um jeito nessa menina!”; “O que as pessoas vão pensar!”. Não sei se minha mãe sucumbiu à pressão e refez alguns convites sem eu saber, mas essa situação ilustra bem o tema central dessa crônica: a resistência em aceitar o diferente.

Aqueles que arriscam mudar um costume ou padrão vigente recebem apelidos carinhosos: “Radical”, “Ovelha Negra”, “do contra”, dentre outros. Vejam os góticos, os grunges, hippies. Em muitos ambientes sua forma de vestir, pensar e expressar ainda é mal vista. E nas religiões? Na minha terra, onde o sincretismo religioso é aclamado como virtude, houve uma guerra entre evangélicos e adeptos do candomblê. Era uma agressão verbal, escrita e física que só foi aplacada (ou abafada?) com a interferência policial e judicial.

Acho que as pessoas ainda não se tocaram de que todos esses entraves enfrentados no ambiente doméstico de cada sociedade sempre se desdobram. Os valores pessoais refletem em seus grupos que refletem na sociedade, que refletem no Estado e que, por sua vez, é a forma como este se posiciona no mundo. Vocês lembram desse caso: os atentados de 11 de setembro fez com que todos os mulçumanos, ex-mulçumanos, descendentes de mulçumanos e até aqueles que lembravam vagamente um mulçumano fossem vistos com desconfiança nos Estados Unidos e em muitos países. Como poucos conhecem os preceitos islâmicos foi muito fácil generalizar e achar que todos eram provenientes do Oriente Médio (apenas 18% da população do O.M. é mulçumana) e por isso eram potenciais terroristas. Também temos dificuldade em aceitar o fato de que nem todos os países precisam ser democráticos para serem justos. Desde os atentados de 11 de setembro os Estados Unidos retomaram com todo a força o empenho em implantar a democracia onde há governos autoritários. Isso me dá uma sensação de déjà vu. Vejam a Somália. Durante anos dois pedaços de terra que hoje formam este país foram colonizados e explorados economicamente pela Itália e Inglaterra. Em 1947 estes países informaram à ONU que desejavam abrir mão de suas posses (na verdade eles estavam enfrentando as severas consequências da II Guerra Mundial e, naquele momento, os investimentos necessários para a obtenção de um retorno financeiro era muito alto). A ONU, pensando no futuro do novo país, determinou que antes da devolução a Itália e a Inglaterra deveriam preparar o país para a independência. Foi dado um prazo de 10 anos e em 1960 nasceu o Estado da Somália. O resultado de todo esse empenho é o que vemos hoje na televisão. Desde o seu surgimento a Somália vive afundada em uma grave guerra civil. Durante todo o período de colonização e protetorado, os valores tribais foram totalmente ignorados (quando não utilizados de forma maquiavélica para manipular a população). A todo custo os “protetores” da Somália, sob a supervisão da ONU, tentaram implantar soluções Ocidentais em um país que não se encaixava nesse modelo. Depois eu tenho que ouvir comentários de analistas que culpam os piratas da Somália pelo atraso no comércio internacional e pelo agravamento da crise econômica. Como diz o meu avô “Faça-me uma garapa” (Tradução: Me poupe). Desculpem a franqueza. Sei que esse exemplo é bem complexo e envolve outras variantes, mas no “fringir dos ovos”, é isso aí.

Existem milhões de casos como esse, mas se quisermos nos deter nos mais simples, basta lembrar das mulheres que usam burca. Em alguns meios existe um consenso de que TODAS são oprimidas pelos seus maridos. Será que é tão difícil conceber que essa vestimenta pode ser útil e até mesmo confortável? Eu tive uma aluna do Oriente Médio, que disse que era o máximo. Ela podia paquerar várias pessoas sem ser notada. Além disso, segundo ela, era afrodisíaco. O marido ficava na expectativa de ver o que tinha por baixo (nada mais do que uma roupa normal viu?! Saia, blusa comportados e sapato salto) Além disso, a burca protege a pele do sol e do calor escaldante. Não usar, significa se desidratar-se rapidamente. Aliás, para aqueles que acham que todas as mulheres do Oriente Médio são submissas, essa mesma aluna me contou que passeando pela rua viu um homem lindo, se apaixonou e decidiu que iria se casar com ele. O seu tio achou um absurdo, afinal, era um desconhecido sem referências. Para convencê-lo, ela subiu em local muito alto e ameaçou se jogar (calma, eu também me assustei com essa parte. Mas era só um teatrinho local que as mulheres sempre fazem e os homens sempre acreditam). Detalhe: O homem bonito era estrangeiro e estava a negócios no seu país. Ele ficou desconfiado com a oferta insistente do tio, mas para parar de ser incomodado concordou em conhecer a candidata a noiva. Meses depois eles se casaram. Quem é mesmo submisso nessa história???

Claro que existem casos infelizes, de desrespeito e submissão. Mas isso também ocorre no Brasil, nos Estados Unidos e em outros tantos países ocidentais e democráticos. Mas isso comprova como a proliferação de preconceitos incorretos nos dá uma percepção totalmente equivocada da realidade. Por isso é muito importante que façamos uma auto análise de todos os valores que acumulamos ao longo da nossa jornada. Será que eles realmente são nossos ou simplesmente foram transmitidos por osmose?? Será que você consegue encontrar uma razão legal para mantê-los? Não quero mudar o mundo, longe de mim. Afinal, tenho também a minha bagagem de valores transmitidos que não consigo despachar. Mas ter a consciência de que pode existir outras respostas, formas e explicações além das que domino, já ajuda a exercitar a minha tolerância. A minha adolescência acabou, mas sigo na tentativa de re-escrever a minha própria folha.


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4 comentários

  1. é incrível como você escreve bem. Seu texto é bem claro, objetivo e de fácil leitura. Em relação ao tema abordado, o que vemos hoje em relação aos costumes, são reflexos do nosso passado recente, onde existia a grande submissão da mulher ao homem. Hoje apesar de ainda existirem resquícios desta época, acho que já evoluimos muito e a mulher vem gradativamente se destacando e sendo reconecida pelo seu valor.

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  2. Parabéns... Mais um vez você tratou de um PROBLEMA TÃO complexo com a naturalidade de quem conversa com um amigo. Dessa forma fica mais fácil entender algumas situações,como as que você descreveu no artigo.
    Mônica Mayoral

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  3. Amiga,
    Texto ótimo para nós que fazemos a nova geração onde mulher trabalha, cuida de casa e dos filhos e ainda tem tempo para o marido!!! Viva as mulheres!!!!
    Bjs

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