Saiu na revista Isto é Dinheiro de 27/05/2009 (n. 607 - Ano 12):
“Com 63 cidades afetadas, 27 mil desabrigados e 137 mortos, o drama dos catarinenses mobilizou o país, que enviou para lá R$ 360 milhões em recursos oficiais e R$ 34 milhões em doações. Já o Nordeste, com 299 municípios castigados e mais de 114 mil desabrigados, recebeu, após 2 meses de calamidade, apenas R$ 23 milhões do governo federal e R$ 4 milhões em doações”.
Diante desses números, tenho que perguntar: Qual o problema com o Nordeste? Nem na véspera do início da corrida presidencial a região mais pobre do Brasil consegue chamar a atenção. Apenas 2 meses após o início de tudo, tendo 4 vezes mais desabrigados do que o desastre em Santa Catarina, recebemos 15 vezes menos do governo federal. Apenas alguns meses separam as duas tragédias. O mesmo digo sobre a sociedade brasileira. No episódio de SC as emissoras de televisão praticamente competiram para ver quem arrecadava mais. Eram avisos nos intervalos, nos programas, em jornais. Tivemos excesso de doações! Foi necessário fazer comunicados em pleno horário nobre solicitando à população que parasse de enviar donativos. Com o Nordeste, quase nada.
Por favor, digam que eu estou errada, exagerando, ou irei continuar. Eu realmente queria entender de onde vem tamanho desprezo e descaso pelo Nordeste. Minto, de onde vem tamanho quase-desprezo e quase-descaso pelo Nordeste - tenho que ser justa e lembrar que durante o verão e o carnaval esta é uma das regiões mais procuradas pelos turistas, principalmente os da região sudeste. Como não possui o maior colégio eleitoral, nunca está no centro das questões políticas. O fato de concentrar a maior quantidade de pobres não é relevante. No Nordeste também estão as piores secas, o maior índice de analfabetismo, a maior taxa de mortalidade infantil e tantas outras. Mas isso também não justifica o aumento dos investimentos para a região. A catástrofe das chuvas parece não comover.
Como se não bastasse o descaso do governo federal, o governo estadual de um dos Estados mais atingidos, a Bahia, resolveu manter a briga política com a prefeitura de Salvador deixando a cidade entregue à própria sorte. Libera verba emergencial para a cidade ao lado, Lauro de Freitas e avisa que, infelizmente, não tem recursos para Salvador. Justo a minha Salvador, cuja principal renda provém do turismo.
O que eu vou falar agora é pesado, duro. Talvez seja melhor você parar de ler por aqui. Posso estar exagerando, mas preciso ser inversamente proporcional à verba liberada pelo governo federal. É uma necessidade. A minha percepção é de que para o resto do Brasil (Correção: quase todo o resto do Brasil, tentando ser justa mais uma vez) os nordestinos são apenas uns pobres, preguiçosos e favelados (ou quem sabe “baianados”) que não merecem compaixão. Não fazemos falta (correção de novo: fazemos falta no verão e no carnaval). Fomos previamente julgados com bases em esteriótipos criados por não-sei-quem e perpetuado por muitos. Em várias vezes, fora da minha cidade, já me vi tendo que convencer alguém de que sou baiana. O meu sotaque e a minha palavra não são suficientes. O fato de não ser negra, pobre ou favelada soa estranho. Quando essas mesmas pessoas se convencem, viro uma “baianinha” gente boa, com um “sotaque” fofinho.
Nessas horas percebo que com pobreza ou sem pobreza, com catástrofe ou sem catástrofe, os ricos somos nós. Poucos têm a oportunidade de conviver com uma diversidade cultural e racial tão grande, que enche os olhos e mostra como o diferente é mais do que normal, é lindo. Poucos têm a oportunidade de encarar as asperezas da vida e manter a leveza da alma. Poucos conseguem ser pobres, famintos e ainda assim manter a sua casa, de terra batida, aberta aos passantes perdidos. Poucos conseguem ser tão estigmatizados, tão discriminados e não guardar nenhum rancor. Ao contrário, os nordestinos estão sempre de braços abertos, hospitaleiros e prontos (até demais) para receber qualquer um.
Por tudo isso, encho o peito e digo a quem quiser ouvir: Sou nordestina, baiana, preguiçosa, favelada, roceira, negra, mulata e índia com muito orgulho!
2 comentários
É Incrível como até mesmo debaixo d'agua as diferenças são absurdas. Vale ressaltar que também somos o centro da Macumba (Se esquecem que os dois maiores centros do Candoblé estão em 2 Grandes capitais do Eixo Sul/Sudeste) de que tudo que fazemos é lento... Esta visão míope dos Bons e dos Ruis, dos Colonizadores e dos Colonizados, dos Opressores e dos Oprimidos propicia o esquecimento da Beleza do História do Brasil, da sua Multicultura, das suas crenças, dos seus valores, criadas por um povo batalhador, criativo e feliz em sua primeira capital: a Bahia. Como diz Nissan Guanaes, Sou Católico, Apostólico Baiano com muito Orgulho.
ResponderExcluirÉ triste saber que alguns não dormem por tragédias acontecidas do outro lado do mundo. Será que conseguem perceber que não precisamos ir longe, que bem pertinho de nós existe muita desigualdade, injustiça, mortalidade e pobreza? Será que algum dia eles sairão do mundo do faz de conta?
ResponderExcluirO que ainda me deixa mais triste é pensar que o preconceito é latente. Como já disse: sou branca por acaso, tenho quadris largos, lábios carnudos, dentre outras características, herdadas dos meus antepassados negros e índios. Ao mesmo tempo tenho cabelos e olhos claros, também herdados dos meus antepassados europeus. Não é uma maravilha? Somos uma linda mistura de raças!!!!!